BLOG QUE TRATA DE PSICANÁLISE

Um blog que diz de Freud, Lacan, Psicanálise, subjetividade, condição humana e outros assuntos afins, quase sempre muito interessantes...

domingo, 25 de agosto de 2013

EVENTO: SEMINARIO (PSICANALISAR: AS VICISSITUDES DESSA PROFISSÃO IMPOSSIVEL) NO FCL-SP

AQUI VÃO OS DADOS DO SEMINÁRIO QUE COMEÇAREI EM BREVE:


PSICANALISAR: AS VICISSITUDES DESSA PROFISSÃO IMPOSSIVEL

Coordenação: Leandro Alves Rodrigues dos Santos

Horário: segundas feiras, quinzenalmente, das 14h00 às 15h30.

Início: 02 de setembro de 2013 (reunião inaugural para definições: datas, textos, etc...).

Local: sede do Fórum do Campo Lacaniano - SP


Maiores informações e inscrições: com Raquel ou Luiza no fone 3057-1743.

 

A proposta central desse seminário é abordar algumas das vicissitudes presentes no psicanalisar. Qualquer psicanalista, iniciante ou mais experiente, corroborará essa percepção, até mesmo porque passa cotidianamente por situações que dizem de certa especificidade da “profissão impossível” (como Freud a descreveu, por mais de uma vez), manifestada através das inúmeras dificuldades presentes na clínica e, além disso, fora dela também. Esses elementos foram objetos de estudos em minha tese de doutorado, defendida no IPUSP em 2011, sob a orientação de Christian Dunker, intitulada O trabalho do psicanalista: das dificuldades da prática aos riscos do narcisismo profissional (tese disponível no banco de teses da USP, pelo link http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47133/tde-31082011-152735/pt-br.php).

Nela, elenquei algumas das dificuldades que enfrenta o psicanalista, como é possível depreender a partir de um trecho do resumo que apresenta a referida tese: “Este estudo aborda o trabalho do psicanalista, tomando como vértice de investigação as dificuldades que esses profissionais atravessam na sua prática clínica cotidiana. Nesse contexto, mudanças no perfil dos pacientes, crises de demanda frente ao incremento da concorrência com psicofármacos e psicoterapias diversas, significativas exigências da formação, estabelecimento de laços com outros analistas e vicissitudes na relação com a família podem ser considerados índices do mal-estar do psicanalista frente ao ato de psicanalisar nos dias atuais”.

A partir dessa empreitada, decidi avançar e agora inaugurar esse seminário para, pouco a pouco, esmiuçar os diversos tópicos que pesquisei por anos e que, ao contrastar com minha própria prática clínica, noto que continuam se mostrando como aspectos que me parecem ser, quase sempre, pouco abordados, pouco debatidos e, talvez, subdimensionados. Nesse sentido, privilegiá-los de maneira mais detida pode ser uma saída, uma possibilidade interessante para fomentar novas discussões acerca dessa ousada decisão que é psicanalisar, com todos os riscos que aí residem.

São muitas as dificuldades que podem ser alvo de uma apreciação mais pormenorizada, mas de inicio penso em direcionar o foco para a escuta, para o que Freud chama de atenção flutuante (ou uniformemente suspensa) característica que define de maneira bastante singular o posicionamento do psicanalista frente ao discurso que o interpela. Mas, como isso se dá na prática? Já desde os primeiros contatos (por vezes no telefone) e, principalmente, nas múltiplas demandas que os que nos procuram portam através de suas queixas? Todo psicanalista escuta e todo paciente associa, sem turbulências?

Responder a essas questões nos leva a uma dedução, de que parece claro que um psicanalista trabalha com a palavra e, como comprovação, basta nos atermos ao que Freud dizia a esse respeito, em conferência[1] proferida em 1915:

As palavras, originalmente, eram mágicas e até os dias atuais conservaram muito do seu antigo poder mágico. Por meio de palavras uma pessoa pode tornar outra jubilosamente feliz ou levá-la ao desespero, por palavras o professore veicula seus conhecimentos aos alunos, por palavras o orador conquista seus ouvintes para si e influencia o julgamento e as decisões deles. Palavras suscitam afeto e são, de modo geral, o meio de mútua influência entre os homens. Assim, não depreciaremos o uso das palavras na psicoterapia, e nos agradará ouvir as palavras trocadas entre o analista e seu paciente.

Ou ainda Lacan, em dois momentos, numa entrevista[2] à revista italiana Panorama:

Sem as palavras, nada existiria. O que seria o prazer sem o intermediário da palavra? Minha opinião é que Freud, enunciando em suas primeiras obras – ‘A interpretação dos sonhos’, ‘Além do princípio do prazer’, ‘Totem e tabu’ – as leis do inconsciente, formulou, como precursor, as teorias com as quais alguns anos mais tarde Ferdinand de Saussure teria aberto a via à linguística moderna.

E também em outra entrevista[3], dessa vez concedida a Madeleine Chapsal, na qual reitera a importância desses textos como fontes de inspiração: “– Leia “A interpretação dos sonhos”, leia a “Psicopatologia da vida cotidiana”, leia “Os chistes e sua relação com o Inconsciente”, é suficiente abrir estas obras, não importa em que pagina, para encontrar isso que lhe falo.”

Afinal, por qual razão Lacan marca com tanta precisão que encontrou nesses textos de Freud preciosos indicativos do trato à palavra, das sutilezas presentes no manejo na suposta troca de palavras com o paciente (repito, por vezes já no telefone), sugerindo aos psicanalistas que neles se debruçassem para poderem alcançar os desdobramentos por ele efetuados, na intersecção com a Linguística, com a noção de significante, a fala vazia e a fala plena, enfim, como se dá isso tudo no dia-a-dia da clínica, durante os atendimentos? Nossa prática é de fato consoante com o que estudamos? Esse seminário será um lugar no qual essas e outras questões poderão ser esmiuçadas. Fica o convite, seguido de um belo exemplo de como Freud manejava essa questão da palavra...

LEANDRO ALVES RODRIGUES DOS SANTOS

 

Fragmento extraído de um texto de Nelson da Silva Júnior, publicado na revista Mente Cérebro (edição especial: Psicoterapias, volume 1), editado pela Duetto, em 2010, na cidade de São Paulo.

 

“Há um ditado italiano que diz ‘si no é vero, é bene trovatto.’ Ou seja, há algumas histórias tão boas que não importa se são ou não verdadeiras, pois, de certo modo, ilustram a verdade mais fielmente do que os fatos podem fazê-lo. Conto então uma história sobre Sigmund Freud (1856-1939) que me foi relatada por um amigo há muitos anos. Este, por seu turno, a ouviu de uma velha senhora que teria conhecido Freud quando tinha 15 anos, quando acompanhava sua tia a uma consulta com o famoso médico vienense. Entre as palavras dele e este texto haveria então não mais que três intermediários, o que não é muito se pensarmos que tal evento ocorreu, pelos meus cálculos, entre 1920 e 1925.

Meu amigo assinava o contrato de aluguel de um apartamento em São Paulo quando conheceu a senhora em questão. Ao saber que ele era analista em formação, ela se apresentou em dizer que era psicóloga, tinha estudado com o psicólogo e epistemólogo suíço Jean Piaget ‘(1896-1980) e havia conhecido Freud. Segundo contou, sua tia era uma mulher muito bonita, de uns 30 anos, que já tinha procurado vários médicos devido a dores cuja causa nenhum deles havia encontrado. Com relutância, marcou uma consulta com o Dr. Freud, controverso especialista em doenças nervosas de Viena. Ao encontrar o psicanalista, declarou com impertinência sua falta de confiança na psicanálise. ‘Se é verdade que o senhor trata só com as palavras, isso será inútil. Não acredito que meras palavras tenham poder sobre minhas dores do corpo. ’

O experiente médico teria se mantido imperturbável. Perguntou sobre o que a trazia ali, quando suas dores tinham começado, onde eram, se e quando mudavam de intensidade, quais tratamentos tinha tentado, se tinha outros incômodos e também sobre sua vida em geral. Quando pareceu satisfeito, iniciou um discurso um pouco surpreendente para ambas:

‘Vejo que a senhora, apesar dos males que a afligem, é de rara beleza. Isso não deve ter lhe escapado, uma vez que, imagino eu, não devem ser poucas as expressões de admiração e as conseqüentes investidas dos cavalheiros de nossa cidade. Sua pele é de uma textura extremamente delicada e saudável.’ Nisso se levantou, pegou um espelho que mantinha pendurado no ferrolho da janela e o aproximou da dama, oferecendo a imagem da qual falava à jovem senhora, visivelmente lisonjeada. ‘Observe! Trata-se mesmo de uma beleza pouco comum, algo oriental, com grandes olhos negros e ligeiramente oblíquos... On dirait la beauté dúne déesse égyptienne’, disse em elogio com uma espécie de apoteose ao momento sublime que aquele rosto capturava. ‘Observe, minha senhora, e não se esqueça jamais desse momento. Ele é a própria imagem do ápice da beleza feminina encarnada em um rosto simplesmente perfeito!’ Nisso, com efeito, a expressão da jovem havia se transformado. Seus olhos brilhavam, seu rubor saudável indicava uma felicidade vivaz e satisfeita. Ela estava simplesmente exuberante e deliciada com o que via.

‘Contudo’, continuou com outro tom de voz, ‘se examinarmos com cuidado, será possível notar que os primeiros sinais da velhice já se anunciam sutilmente’. ‘Veja bem’, disse, aproximando o espelho do olhar hesitante da jovem. ‘Um pequeno mas indisfarçável reticulado se irradia dos cantos das pálpebras e dos lábios...’ A angústia da moça ao confirmar aquelas marcas as sulcava um pouco mais. Dr. Freud tinha experiência em detectar os sinais mínimos de perturbação interior. Bastou que indicasse as poucas irregularidades da pele para que as lágrimas brotassem dos olhos baços da infeliz. ‘Talvez o que vê agora seja meramente fruto de sua aflição diante da verdade: que nosso melhor tempo é como um só dia de sol antes de um longo inverno da decadência contínua’. Nisso, a jovem senhora já contemplava outra imagem. Seu nariz e olhos, inchados com o choro, e a fronte, avermelhada com a tensão, de fato, pareciam confirmar a profecia do médico. Foi então que o tom de voz de novo mudou e assumiu um ar benevolente e carinhoso. ‘A senhora se recorda do rosto divino que viu a pouco nesse mesmo espelho?’ Ela acenou afirmativamente com a cabeça, incapaz de falar. ‘Pois bem, minha senhora, ela se transformou na imagem que vê agora apenas com o poder das palavras!’”

 

 



[1] FREUD, S. (1916[1915]).  Conferências introdutórias sobre Psicanálise – Parte I. Parapraxias (I/Introdução). Tradução sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1987. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. 15, p. 27-38).
[3] Entrevista disponível pelo link  http://www.clinicamente.com.ar/articulos/ev-lacan.htm

domingo, 18 de agosto de 2013

DITO SOBRE LACAN: UM ESCANDALOSO? APENAS?


Lacan é apresentado na literatura ou na imprensa como um indivíduo escandaloso, imoral: digo que é absolutamente verdadeiro. Ele é imoral porque a nossa moralidade, como todos sabem, é suja, e não só suja. Nossa moralidade nunca fez outra coisa senão cultivar a perversão. Não é a psicanálise quem diz isso, isso começa com São Paulo, é uma banalidade. Hoje, é preciso ser um pouco reservado, um pouco prudente, quando se diz de alguém: aquele ali não tem moral. Só os perversos estão ligados à moralidade, querem estabelecer ordem, em qualquer meio que seja, inclusive no meio psicanalítico. Lacan era escandaloso porque questionava, por sua conduta e por seu estilo, referências que nos são muito caras.

In: MELMAN, C.  Entrevista com Charles Melman: testemunho. [1993-1994]. Quartier Lacan. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2007. Entrevista concedida a Alain Didier-Weill, Emil Weiss e Florence Gravas.

 

 

sábado, 10 de agosto de 2013

FREUD IMPLICA: TERMINO DE ANÁLISE É O MESMO QUE NORMALIDADE ABSOLUTA?


O outro significado do ‘término’ de uma análise é muito mais ambicioso. Nesse sentido, o que estamos indagando é se o analista exerceu uma influência de tão grande conseqüência sobre o paciente, que não se pode esperar que nenhuma mudança ulterior se realize neste, caso sua análise venha a ser continuada. É como se fosse possível, por meio da análise, chegar a um nível de normalidade psíquica absoluta – um nível, ademais, em relação ao qual pudéssemos confiar em que seria capaz de permanecer estável, tal como se, talvez, tivéssemos alcançado êxito em solucionar todas as repressões do paciente e em preencher todas as lacunas em sua lembrança. Podemos primeiro consultar nossa experiência para indagar se tais coisas de fato acontecem, e depois nos voltarmos para nossa teoria, a fim de descobrir se há qualquer possibilidade de elas acontecerem.

In.: ANÁLISE TERMINÁVEL E INTERMINÁVEL (1937)

domingo, 4 de agosto de 2013

DITO SOBRE LACAN... POR QUÊ PARTICIPAR DE UMA INSTITUIÇÃO PSICANALÍTICA?


J.C. – Você tem toda razão. Isso me faz pensar que às vezes vimos que a supervisão podia ser percebida como meio de vigiar os jovens analistas. Faz 15 anos que não pertenço a nenhuma associação e, portanto, não acompanho ninguém em seu percurso: como é possível que todas as semanas eu tenha de 30 a 40 sessões de supervisão? Será que isso não significa que um certo número de pessoas está interessado não em reconhecimento pessoal, mas em outra coisa?

 In: CLAVREUL, J.  Entrevista com Jean Clavreul: testemunho. [1993-1994]. Quartier Lacan. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2007. Entrevista concedida a Alain Didier-Weill, Emil Weiss e Florence Gravas.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

FREUD E A CIÊNCIA.... ESCRITORES, CIÊNCIA E CASTRAÇÃO

Os escritores estão submetidos à necessidade de criar prazer intelectual e estético, bem como certos efeitos emocionais. Por essa razão, eles não podem reproduzir a essência da realidade tal como ela é, senão que devem isolar partes da mesma, suprimir associações perturbadoras, reduzir o todo e completar o que falta. Esses são os privilégios do que se convencionou chamar ‘licença poética’. Além disso, eles podem demonstrar apenas ligeiro interesse pela origem e pelo desenvolvimento dos estados psíquicos que descrevem em sua forma completa.  Torna-se, pois, inevitável que a ciência deva, também, se preocupar com as mesmas matérias, cujo tratamento, pelos artistas, há milhares de anos, vem deleitando tanto a humanidade, muito embora seu trato seja mais tosco e proporcione menos prazer. Essas observações, esperamos, servirão para nos justificar, de modo amplo, o tratamento estritamente científico que damos ao campo do amor humano. A ciência, é, afinal, a renúncia mais completa ao princípio de prazer de que é capaz nossa atividade mental.

In:   UM TIPO ESPECIAL DE ESCOLHA DE OBJETO FEITA PELOS HOMENS(1910)

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

FREUD E A CIÊNCIA.... FREUD ERROU?

O emprego da análise para o tratamento das neuroses é somente uma de suas aplicações; o futuro talvez demonstre que não é o mais importante.

In:  A QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA (1926)