PSICANALISAR: AS VICISSITUDES DESSA PROFISSÃO
IMPOSSIVEL
Coordenação:
Leandro Alves Rodrigues dos Santos
Horário:
segundas feiras, quinzenalmente, das 14h00 às 15h30.
Início: 02 de
setembro de 2013 (reunião inaugural para definições: datas, textos, etc...).
Local: sede do
Fórum do Campo Lacaniano - SP
Contato: leandroarsantos@uol.com.br
Maiores
informações e inscrições: com Raquel ou Luiza no fone 3057-1743.
A proposta central desse seminário é abordar algumas das
vicissitudes presentes no psicanalisar. Qualquer psicanalista, iniciante ou
mais experiente, corroborará essa percepção, até mesmo porque passa cotidianamente
por situações que dizem de certa especificidade da “profissão impossível” (como
Freud a descreveu, por mais de uma vez), manifestada através das inúmeras
dificuldades presentes na clínica e, além disso, fora dela também. Esses
elementos foram objetos de estudos em minha tese de doutorado, defendida no
IPUSP em 2011, sob a orientação de Christian Dunker, intitulada O trabalho do psicanalista: das dificuldades
da prática aos riscos do narcisismo profissional (tese disponível no banco
de teses da USP, pelo link http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47133/tde-31082011-152735/pt-br.php).
Nela, elenquei algumas das dificuldades que enfrenta o
psicanalista, como é possível depreender a partir de um trecho do resumo que apresenta
a referida tese: “Este
estudo aborda o trabalho do psicanalista, tomando como vértice de investigação
as dificuldades que esses profissionais atravessam na sua prática clínica
cotidiana. Nesse contexto, mudanças no perfil dos pacientes, crises de demanda
frente ao incremento da concorrência com psicofármacos e psicoterapias
diversas, significativas exigências da formação, estabelecimento de laços com
outros analistas e vicissitudes na relação com a família podem ser considerados
índices do mal-estar do psicanalista frente ao ato de psicanalisar nos dias
atuais”.
A partir dessa empreitada, decidi avançar e agora inaugurar esse
seminário para, pouco a pouco, esmiuçar os diversos tópicos que pesquisei por
anos e que, ao contrastar com minha própria prática clínica, noto que continuam
se mostrando como aspectos que me parecem ser, quase sempre, pouco abordados,
pouco debatidos e, talvez, subdimensionados. Nesse sentido, privilegiá-los de
maneira mais detida pode ser uma saída, uma possibilidade interessante para
fomentar novas discussões acerca dessa ousada decisão que é psicanalisar, com
todos os riscos que aí residem.
São muitas as dificuldades que podem ser alvo de uma apreciação
mais pormenorizada, mas de inicio penso em direcionar o foco para a escuta,
para o que Freud chama de atenção flutuante (ou uniformemente suspensa)
característica que define de maneira bastante singular o posicionamento do
psicanalista frente ao discurso que o interpela. Mas, como isso se dá na
prática? Já desde os primeiros contatos (por vezes no telefone) e,
principalmente, nas múltiplas demandas que os que nos procuram portam através
de suas queixas? Todo psicanalista escuta e todo paciente associa, sem
turbulências?
Responder a essas questões nos leva a uma dedução, de que parece
claro que um psicanalista trabalha com a palavra e, como comprovação, basta nos
atermos ao que Freud dizia a esse respeito, em
conferência[1]
proferida em 1915:
As palavras,
originalmente, eram mágicas e até os dias atuais conservaram muito do seu
antigo poder mágico. Por meio de palavras uma pessoa pode tornar outra
jubilosamente feliz ou levá-la ao desespero, por palavras o professore veicula
seus conhecimentos aos alunos, por palavras o orador conquista seus ouvintes
para si e influencia o julgamento e as decisões deles. Palavras suscitam afeto
e são, de modo geral, o meio de mútua influência entre os homens. Assim, não
depreciaremos o uso das palavras na psicoterapia, e nos agradará ouvir as
palavras trocadas entre o analista e seu paciente.
Ou ainda Lacan, em dois momentos, numa entrevista[2] à revista italiana
Panorama:
Sem as
palavras, nada existiria. O que seria o prazer sem o intermediário da palavra?
Minha opinião é que Freud, enunciando em suas primeiras obras – ‘A
interpretação dos sonhos’, ‘Além do princípio do prazer’, ‘Totem e tabu’ – as
leis do inconsciente, formulou, como precursor, as teorias com as quais alguns
anos mais tarde Ferdinand de Saussure teria aberto a via à linguística moderna.
E também em outra entrevista[3], dessa vez concedida a
Madeleine Chapsal, na qual reitera a importância desses textos como fontes de
inspiração: “– Leia “A interpretação dos sonhos”, leia
a “Psicopatologia da vida cotidiana”, leia “Os chistes e sua relação com o
Inconsciente”, é suficiente abrir estas obras, não importa em que pagina, para
encontrar isso que lhe falo.”
Afinal,
por qual razão Lacan marca com tanta precisão que encontrou nesses textos de
Freud preciosos indicativos do trato à palavra, das sutilezas presentes no
manejo na suposta troca de palavras
com o paciente (repito, por vezes já no telefone), sugerindo aos psicanalistas
que neles se debruçassem para poderem alcançar os desdobramentos por ele
efetuados, na intersecção com a Linguística, com a noção de significante, a
fala vazia e a fala plena, enfim, como se dá isso tudo no dia-a-dia da clínica,
durante os atendimentos? Nossa prática é de fato consoante com o que estudamos?
Esse seminário será um lugar no qual essas e outras questões poderão ser
esmiuçadas. Fica o convite, seguido de um belo exemplo de como Freud manejava
essa questão da palavra...
LEANDRO ALVES RODRIGUES
DOS SANTOS
Fragmento
extraído de um texto de Nelson da Silva Júnior, publicado na revista Mente
Cérebro (edição especial: Psicoterapias, volume 1), editado pela Duetto, em
2010, na cidade de São Paulo.
“Há
um ditado italiano que diz ‘si no é vero, é bene
trovatto.’ Ou seja, há algumas histórias tão boas que não importa se são ou
não verdadeiras, pois, de certo modo, ilustram a verdade mais fielmente do que
os fatos podem fazê-lo. Conto então uma história sobre Sigmund Freud
(1856-1939) que me foi relatada por um amigo há muitos anos. Este, por seu
turno, a ouviu de uma velha senhora que teria conhecido Freud quando tinha 15
anos, quando acompanhava sua tia a uma consulta com o famoso médico vienense. Entre
as palavras dele e este texto haveria então não mais que três intermediários, o
que não é muito se pensarmos que tal evento ocorreu, pelos meus cálculos, entre
1920 e 1925.
Meu
amigo assinava o contrato de aluguel de um apartamento em São Paulo quando conheceu
a senhora em questão. Ao saber que ele era analista em formação, ela se
apresentou em dizer que era psicóloga, tinha estudado com o psicólogo e
epistemólogo suíço Jean Piaget ‘(1896-1980) e havia conhecido Freud. Segundo
contou, sua tia era uma mulher muito bonita, de uns 30 anos, que já tinha
procurado vários médicos devido a dores cuja causa nenhum deles havia
encontrado. Com relutância, marcou uma consulta com o Dr. Freud, controverso
especialista em doenças nervosas de Viena. Ao encontrar o psicanalista,
declarou com impertinência sua falta de confiança na psicanálise. ‘Se é verdade
que o senhor trata só com as palavras, isso será inútil. Não acredito que meras
palavras tenham poder sobre minhas dores do corpo. ’
O
experiente médico teria se mantido imperturbável. Perguntou sobre o que a
trazia ali, quando suas dores tinham começado, onde eram, se e quando mudavam
de intensidade, quais tratamentos tinha tentado, se tinha outros incômodos e
também sobre sua vida em geral. Quando pareceu satisfeito, iniciou um discurso
um pouco surpreendente para ambas:
‘Vejo
que a senhora, apesar dos males que a afligem, é de rara beleza. Isso não deve
ter lhe escapado, uma vez que, imagino eu, não devem ser poucas as expressões
de admiração e as conseqüentes investidas dos cavalheiros de nossa cidade. Sua
pele é de uma textura extremamente delicada e saudável.’ Nisso se levantou,
pegou um espelho que mantinha pendurado no ferrolho da janela e o aproximou da
dama, oferecendo a imagem da qual falava à jovem senhora, visivelmente
lisonjeada. ‘Observe! Trata-se mesmo de uma beleza pouco comum, algo oriental,
com grandes olhos negros e ligeiramente oblíquos... On dirait la beauté dúne
déesse égyptienne’, disse em elogio com uma espécie de apoteose ao momento
sublime que aquele rosto capturava. ‘Observe, minha senhora, e não se esqueça
jamais desse momento. Ele é a própria imagem do ápice da beleza feminina
encarnada em um rosto simplesmente perfeito!’ Nisso, com efeito, a expressão da
jovem havia se transformado. Seus olhos brilhavam, seu rubor saudável indicava
uma felicidade vivaz e satisfeita. Ela estava simplesmente exuberante e
deliciada com o que via.
‘Contudo’,
continuou com outro tom de voz, ‘se examinarmos com cuidado, será possível
notar que os primeiros sinais da velhice já se anunciam sutilmente’. ‘Veja
bem’, disse, aproximando o espelho do olhar hesitante da jovem. ‘Um pequeno mas
indisfarçável reticulado se irradia dos cantos das pálpebras e dos lábios...’ A
angústia da moça ao confirmar aquelas marcas as sulcava um pouco mais. Dr.
Freud tinha experiência em detectar os sinais mínimos de perturbação interior.
Bastou que indicasse as poucas irregularidades da pele para que as lágrimas
brotassem dos olhos baços da infeliz. ‘Talvez o que vê agora seja meramente fruto
de sua aflição diante da verdade: que nosso melhor tempo é como um só dia de
sol antes de um longo inverno da decadência contínua’. Nisso, a jovem senhora
já contemplava outra imagem. Seu nariz e olhos, inchados com o choro, e a
fronte, avermelhada com a tensão, de fato, pareciam confirmar a profecia do
médico. Foi então que o tom de voz de novo mudou e assumiu um ar benevolente e
carinhoso. ‘A senhora se recorda do rosto divino que viu a pouco nesse mesmo
espelho?’ Ela acenou afirmativamente com a cabeça, incapaz de falar. ‘Pois bem,
minha senhora, ela se transformou na imagem que vê agora apenas com o poder das
palavras!’”
[1]
FREUD, S. (1916[1915]). Conferências
introdutórias sobre Psicanálise – Parte I. Parapraxias (I/Introdução).
Tradução sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1987. (Edição
Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. 15,
p. 27-38).
[2]
Entrevista disponível pelo link http://pontolacaniano.wordpress.com/2008/03/31/entrevista-inedita-de-jacques-lacan-a-revista-italiana-panorama-1974/
[3]
Entrevista disponível pelo link http://www.clinicamente.com.ar/articulos/ev-lacan.htm