BLOG QUE TRATA DE PSICANÁLISE

Um blog que diz de Freud, Lacan, Psicanálise, subjetividade, condição humana e outros assuntos afins, quase sempre muito interessantes...

sexta-feira, 10 de maio de 2013

CARTAS DE FREUD... CONVERSA COM JUNG


CARTA ENDEREÇADA A FERENCZI EM 26/12/1912


“E agora, sobre Jung. Depois da reunião, às 11h, fizemos o passeio combinado, que tinha como objetivo uma conversa. Eu perguntei diretamente o que ele tinha e o que significava sua insistência no ‘gesto de Kreuzlingen’. Então, ele veio com a reclamação que eu teria me dirigido a seus inimigos, Biswanger e Häberlin, e impedido que ele me encontrasse, pelo fato de comunicar a ele minha visita somente quando ele já havia retornado. ‘O que o Sr. diria se  eu lhe escrevesse depois dizendo que havia estado na Wiene Neustadt?’. Eu reconheci que isso não seria honesto de sua parte, mas que não era meu caso, pois eu havia escrito sobre a viagem na quinta à noite, antes de Pentecostes, a ele e a Biswanger, ou seja, naquele momento, ele também já deveria saber e poderia ter vindo, se quisesse. Não, respondeu ele: ele teria recebido meu cartão somente na segunda de manhã, quando já era tarde demais (já que parti na segunda ao meio-dia). Eu permaneci firme, e então aconteceu algo totalmente inacreditável e inesperado. Subitamente, ele disse a meia-voz: ‘No sábado e no domingo estive ausente, velejando, e só voltei na segunda de manhã’. E aí, eu tinha a faca e o queijo nas mãos, sabendo aproveitar bem a situação. Perguntei-lhe se não havia tido a idéia de observar o carimbo do correio no cartão, ou então perguntar à sua mulher, antes de me acusar detê-lo informado propositalmente tarde demais. Quais repreensões faria a um paciente que não fundamentasse de outra forma a sua suspeita? Ele estava absolutamente derrotado e envergonhado, e admitiu tudo: que há muito tempo temia que a intimidade comigo ou outros prejudicasse sua independência e que por isso decidira recolher-se; que de fato, ele me construíra a partir do complexo  paterno e tinha medo do que eu poderia dizer de suas modificações, de seu particular modo de expressar-se; que ele certamente não tinha motivos para estar desconfiado, que o ofendia ser visto como um louco complexado, etc. Eu não o poupei de nada, disse-lhe calmamente que uma amizade com ele não poderia ser mantida, que ele mesmo havia evocado uma intimidade com a qual ele viria a romper tão brutalmente depois; que ele não estava bem com o Homem, com o masculino em geral, não apenas comigo, mas também com os outros; que ele repelia a todos depois de um certo tempo. Todos os que estavam comigo provieram dele, por ele tê-los expulso; que o fato de se referir à triste experiência com Honegger lembrava-me os homossexuais ou anti-semitas, cujas tendências se manifestam depois de uma experiência com uma mulher ou com um judeu. Que ele se comportava como um bêbado que grita incessantemente: não acreditem que eu esteja bêbado, apresentando inequivocamente uma reação neurótica; que eu me havia enganado sobre ele num ponto, quando o considerei um dirigente nato que, através de sua autoridade, poderia poupar aos outros muitos erros, mas ele não era assim, era imaturo e descontrolado, etc. Ele não me contradisse e admitiu tudo. Penso que isso tenha lhe feito bem. Se ele fosse alguém que conseguisse incorporar impressões vividas, eu acreditaria numa mudança duradoura. Mas há um núcleo de falsidade em sua natureza que lhe permitirá diluir as impressões. A invenção do gesto de Kreuzlingen já tem esse caráter. Uma outra prova é a seguinte: ele jurou por tudo no mundo não ser verdade que havia falado mal de mim, já no ano do Congresso de Salzburgo, num repentino capricho, que depois passou. ‘O que dizem as pessoas! Se eu quisesse acreditar no que falam sobre o Sr.!’. À noite falei então com Jones, que me assegurou ter ele mesmo ouvido o tal discurso de Jung. Jung despediu-se às 5 horas com as palavras: ‘O Sr. me encontrará sempre devotado à causa’. Ficamos juntos até o momento da despedida. Infelizmente não tive um bom dia. Cansado da semana e de uma noite em claro no trem, tive, à mesa, uma crise de angústia, semelhante àquela no Essighaus em Bremen, quis levantar-me e desmaiei por um momento. Mas eu mesmo me levantei e por algum tempo tive náuseas, que à noite se transformaram em uma dor de cabeça e bocejos, um resíduo de meus males de verão. Na noite de volta à Viena, dormi muito bem e cheguei aqui muito bem.”

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por pensar junto...