In: CONF. INTR. SOBRE PSICANÁLISE (1916-1917)[1915-1917]
BLOG QUE TRATA DE PSICANÁLISE
Um blog que diz de Freud, Lacan, Psicanálise, subjetividade, condição humana e outros assuntos afins, quase sempre muito interessantes...
quinta-feira, 30 de maio de 2013
FREUD E A CIÊNCIA... INUTILIDADE DAS ESTATÍSTICAS
"Amigos
da análise têm-nos aconselhado a arrostar a ameaça de publicação de nossos
insucessos com estatísticas de nossos êxitos, alinhados por nós próprios. Não
concordo com isto. Assinalei que as estatísticas são carentes de valor se os
itens nela agrupados são por demais heterogêneos; e os casos de doença
neurótica que tomamos em tratamento eram, de fato, impossíveis de comparar, em
uma grande variedade de aspectos."
In: CONF. INTR. SOBRE PSICANÁLISE (1916-1917)[1915-1917]
In: CONF. INTR. SOBRE PSICANÁLISE (1916-1917)[1915-1917]
DITO SOBRE LACAN... RITMO DE TRABALHO E HORÁRIO DO CONSULTÓRIO
"Quando pela primeira
vez me dirigi ao n. 5 da Rua de Lille, no outono de 1969, Lacan, com quase
setenta anos, apesar dos cabelos já inteiramente embranquecidos, nada tinha de
um ancião. Eu ficava impressionado com sua energia, a voz segura, o andar. Ele
atendia os primeiros pacientes a uma hora bem matinal – tive consultas por
volta das oito horas da manhã e não era o primeiro a esperar – e fechava o
consultório após as vinte horas. O momento do almoço era antes breve, já que a
partir das treze horas e trinta costumávamos ser muitos a nos amontoar em sua
sala de espera. Quanto às férias, à exceção do mês de agosto, de uma semana no
Natal e na Páscoa, de alguns dias em fevereiro, ele sempre estava ali, no
posto, em seu querido n.5 da Rua de Lille. Ao contrário de muitos analistas, o
ofício nunca parecia cansá-lo e com certeza o uso (e o abuso) das sessões
curtas o ajudava a agüentar. Um tal modo de vida e de funcionamento atesta que,
se ele gostava de dinheiro, este evidentemente não era sua motivação principal."
In: HADDAD,
G. O dia em que Lacan me adotou:
minha análise com Lacan. Tradução de Procópio Abreu. Rio de Janeiro: Companhia
de Freud, 2003. 303 p.
DITO SOBRE LACAN... TRAIÇÃO?
"No fim da última de todas, que
marcava realmente a ruptura, eu lhe disse: 'É certo que guardarei desses dez
anos juntos do senhor a impressão de que desempenhou um papel decisivo na minha
existência e no meu pensamento, e na psicanálise, é claro, e isso, de qualquer
modo, vou reconhecer sempre'. E ele me disse: 'Mas, se você reconhece, então por
que faz isso tudo?'. Respondi-lhe: 'Acho que já nos explicamos o bastante sobre
isso'. Essas poucas palavras se concluíram pelo fato de que, quando eu quis
cumprimentá-lo antes de ir embora estendendo-lhe a mão, ele pôs os braços atrás
das costas. E assim deixei a rua de Lille."
In: WILDLOCHER, D. Entrevista com
Daniel Wildlocher: testemunho. [2001]. Quartier
Lacan. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2007. Entrevista concedida a
Alain Didier-Weill, Emil Weiss e Florence Gravas.
quarta-feira, 29 de maio de 2013
DITO SOBRE LACAN... DEMANDA PARA ANALISAR MANNONI
"Lacan estava muito interessado
por Dolto, porque ele sempre estava à espreita de algo da ordem de uma prática
que tivesse escapado à sua teorização. Foi ele quem me pediu, a partir de
diferentes comunicações que eu havia feito sobre a criança retardada e sua mãe,
para fazer análise com ele. O que o interessava era meu trabalho clinico. Logo,
foi por desejo de Lacan que o encontro ocorreu."
In: MANNONI, M. Entrevista com Maud
Mannoni: testemunho. [1993-1994]. Quartier
Lacan. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2007. Entrevista concedida a
Alain Didier-Weill, Emil Weiss e Florence Gravas.
DITO SOBRE LACAN... OS CONJUGES DO(A)S PSICANALISTAS
"Não, não penso. Um analista
existe pelo menos em três níveis: primeiro, no exercício de sua função na
poltrona, isto é, como praticante; em seguida, num exercício institucional,
enquanto responsável pela transmissão dos trabalhos e pela formação dos
analistas; enfim, numa obra pessoal, ou antes, numa elaboração, pois as
verdadeiras obras de psicanálise ainda podem ser contadas nos dedos das duas mãos.
O analista é reconhecido simultaneamente nestes três registros: sua produção
intelectual, seu investimento institucional e sua pratica de analista. Não é
muito possível isolar o primeiro registro, como se faria para um escritor, ou
até para um filosofo ou um pesquisador que se ilustrou nas ciências humanas. É
por essa razão que o empreendimento biográfico sobre Lacan é de fato
extremamente delicado, e talvez até contestável em seu princípio. A hipótese de
que a vida de uma pessoa se comunica com sua obra é certamente interessante; no
entanto, no caso de um analista, é com certeza o inverso que acontece, vale
dizer que é o engajamento dele numa prática, numa instituição e numa obra que
determina sua vida! Perguntem aos cônjuges dos
analistas, ele lhes explicarão que a vida dos analistas é uma vida totalmente
determinada pelo investimento que eles fazem nessa prática, um pouco
particular, é preciso bem dizer, e que não se assemelha a nenhuma outra."
In: DUMÉZIL,
C. Entrevista com Claude Dumézil:
testemunho. [1993-1994]. Quartier Lacan.
Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2007. Entrevista concedida a Alain
Didier-Weill, Emil Weiss e Florence Gravas.
terça-feira, 28 de maio de 2013
RESENHA DE LACAN COLEÇÃO FOLHA EXPLICA
Publicada originalmente na Revista de Psicanálise Textura, numero 8.
Resenha de Lacan, SAFATLE, Vladimir. São Paulo: Publifolha, Coleção Folha Explica, 2007, 69 p.
Resenha de Lacan, SAFATLE, Vladimir. São Paulo: Publifolha, Coleção Folha Explica, 2007, 69 p.
O que um filósofo poderia dizer sobre
Psicanálise e, mais ainda, sobre Jacques Lacan? Afinal, trata-se de um psicanalista
que, como se sabe, foi responsável por uma reviravolta no cenário psicanalítico
desde a metade do século passado e, até hoje, ainda causa certa ebulição com
sua releitura ousada e subversiva da invenção freudiana.
Lacan, como nos atesta sua obra,
manteve profícuo diálogo com outras disciplinas, dentre elas a filosofia. Desse
diálogo arquitetou conceitos, ampliou e potencializou as descobertas da clínica
psicanalítica, fazendo não apenas avançar o campo, mas, sobretudo mantendo-se por
toda a vida fiel à sua própria proposta de um
retorno à Freud. Alertava, então, contra o risco da biologização da pulsão,
como acabou por comprovar o caminho trilhado pela chamada escola inglesa e pela
inserção da Psicanálise na América do Norte, que fagocitou a peste trazida por
Freud, deformando-a.
Mas, para essa tarefa, justiça seja
feita, a contribuição da Filosofia foi importante, pois o ajudou a sofisticar
suas hipóteses sobre a falta, o ser, a alteridade, o desejo e, em última
extensão, o objeto “a”, sua única contribuição original à revolução freudiana,
como afirmou certa vez.
Portanto, diante disso, os filósofos
poderiam se autorizar a dizer algo sobre Psicanálise, e o filósofo e também docente
do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, Vladimir Safatle, banca
o risco de ser tomado como mais um teórico que se imiscuiria numa área da qual supostamente
nada poderia dizer; afinal, não é psicanalista e poderia se aproximar da trama
conceitual da teoria psicanalítica apenas de um ponto de vista prioritariamente
intelectual.
Cabe marcar que essa potencial
crítica poderia ser formulada; afinal, não é incomum encontrarmos acadêmicos
que lêem as obras de Freud e Lacan e as teorizam de um ângulo questionável, a
partir de um discurso universitário, muitas vezes atravessado por um sistema
filosófico que o próprio Freud já criticara, comparando-o à paranóia, que
espera sempre tudo pronto, sem espaço para o que não se sabe, a incompletude, a
incerteza ou aquilo que não se inscreve num sistema previsível e
auto-referenciado.
Porém, não é bem isso que encontramos
neste livro intitulado simplesmente de Lacan,
da coleção Folha Explica, editado pela Publifolha, conseqüentemente bastante acessível a um grande número de
pessoas, devido à distribuição quase sempre eficaz desse gigante complexo de
mídia, responsável pela publicação do jornal Folha de S. Paulo, dentre outras produções jornalísticas.
Bem, e o que encontramos então na
pena de Safatle? Uma lógica articulada em uma sucessão de recortes muito
interessantes da obra lacaniana, até mesmo pelo fato desse livro ter apenas 96
páginas, uma característica da coleção, o que demanda do autor capacidade de
síntese e o força a eleger alguns pontos de um percurso teórico derivado de
décadas, como é aqui o caso de Jacques Lacan, autor de escritos mais oficiais e
também de seminários estenografados e posteriormente transformados em livros,
editados em nosso país pela editora carioca Zahar.
Portanto, o que mais chama atenção
nesse livro e merece ser destacado, é justamente a eleição de tópicos que
possibilitam uma apreensão de um aspecto crucial da obra lacaniana, que nunca
subestimou a força da divisão do sujeito, alicerçando e sustentando uma clínica
que diferenciava significativamente da prática psiquiátrica de então. Isso
ocorreu por volta dos anos 30, época da defesa de sua tese de doutoramento, que
girava em torno de outro olhar diagnóstico e, principalmente, de uma outra
postura ética daquele a quem era atribuído um saber, considerando o
Inconsciente como conceito central, especialmente depois das descobertas de
Freud, que abalavam as hipóteses de degeneração psíquica que, na época, eram
levadas em consideração.
Os quatro capítulos que abordam a
trama conceitual iniciam-se pela aproximação do jovem psiquiatra Lacan em
direção à importância da alteridade, do que já ia além das explicações ditas
sociais sobre a importância do outro para a constituição da personalidade e,
especialmente no caso da psicose, a virulência da relação imaginária com um
outro que tem consistência exagerada, como no caso de Marguerite Anzieu, o
verdadeiro nome de sua paciente Aimée, famoso caso clínico de Lacan, que raramente
dizia algo de sua prática clínica, preservando certo sigilo.
Num segundo momento, evidencia-se a
entrada de Lacan no mundo psicanalítico, quando inicia a análise com
Loewenstein, filia-se à Sociedade Parisiense de Psicanálise e estuda mais
sistematicamente com Kojeve abordando fundamentalmente a obra de Hegel, o que se
pode tomar como um momento de influência da filosofia em seu pensamento, visto
que as hipóteses acerca do Imaginário, do Simbólico e do Real começam a tomar
forma, redundando em intersecções com o campo do estruturalismo, abrindo portas
para noções como desejo, lugar e posição no laço social, o pai e sua
positividade, além da questão da linguagem, como aponta o terceiro capítulo.
Já no quarto e derradeiro capítulo,
destinado a elencar alguns tópicos essenciais, Safatle traz o momento mais
visceral de Lacan, notadamente após 1960, no qual se aprofunda no Inconsciente
mais freudiano. Lacan afirma ser a missão de sua vida esse retornar à Freud e
revoluciona o mundo psicanalítico, inicialmente na França e depois pelo mundo,
com seus conceitos, críticas e problematizações acerca do desejo e da ética do
analista, da formação desse psicanalista, da institucionalização da
Psicanálise, de suas impressionantes atitudes de desfiliação das instituições
oficiais ligadas à IPA, bem como também de seus esforços para fundar escolas de
Psicanálise que subvertessem certos dogmas e padrões que vigoravam até então,
burocratizando a formação e robotizando a prática dos futuros psicanalistas.
Depois de Lacan, é muito difícil não
se dar conta de que o próprio laço entre paciente e analista passou a ser
pensado e concebido de outra forma, especialmente nas questões de tempo e
dinheiro, do saber, do final de análise e da mudança de posição subjetiva do
sujeito frente à sua própria divisão e ao gozo sobre o qual a análise lhe
permitiu saber um pouco mais.
O Inconsciente, a partir de Freud e
após Lacan, deve ser considerado de outra maneira, despatologizado e
reconhecido como potência do ser falante frente aos discursos que o interpelam
e, principalmente, como um representante radical de um aspecto da dimensão
humana que não se adapta à norma social e, portanto, não pode, nem tampouco
deveria ser tomado como algo anormal, que a Medicina elege como alvo e tenta eliminar,
a serviço dos ideais homeostáticos da saúde, como preconizado pela Organização
Mundial de Saúde.
Vladimir Safatle deixa isso bem claro
nos estertores da conclusão, quando afirma que, a partir dessa posição mais
crítica frente à medicalização da vida, “podemos compreender de outra forma a
ânsia social em decretar a crise da Psicanálise. O que está em jogo aqui é não
simplesmente um problema relativo à eficácia de uma prática clínica
determinada. O que está em jogo é o sentido da noção de cura, de normalidade e
o destino que queremos dar ao sofrimento psíquico”. (p. 79)
Mais ainda, em que lugar está o
psicanalista nesse cenário? A leitura desse livro talvez desoriente, mas
aumenta a possibilidade de repensar o lugar do psicanalista no mundo hoje,
indicando a tradição que o precede, que inicia em Freud, passa por Lacan e
clama por novos capítulos, episódios e marcas no mundo.
FREUD ESCRITOR... UM HOMEM DAS LETRAS
"Todo mundo acredita que eu me atenho antes de mais
nada ao caráter científico de meu trabalho e que minha meta principal é o
tratamento das enfermidades mentais. É um tremendo erro que tem prevalecido
durante anos e que tenho sido incapaz de corrigir. Eu sou um cientista por
necessidade e não por vocação. Sou, na verdade, por natureza, artista [...] e
disso existe uma prova irrefutável: em todos os países onde a Psicanálise tem
penetrado, tenho sido melhor compreendido e aplicado pelos escritores e
artistas que pelos médicos. Meus livros, de fato, se parecem mais a obras de
imaginação que a tratados de patologia. [...] Eu tenho podido cumprir meu
destino por uma via indireta e realizar meu sonho: seguir sendo um homem de
letras, mesmo que sob a aparência de um médico. Em todo grande homem de ciência
está o gérmen da fantasia; mas nenhum propõe; como eu, traduzir a teorias
científicas a inspiração que a Literatura moderna oferece. Na Psicanálise, o senhor
encontrará reunidas, mesmo que transformadas em jargão científico, as três
grandes escolas literárias do século XIX: Heine, Zola e Mallarmé estão reunidos
em minha obra sob o patrocínio de meu velho mestre, Goethe."
Entrevista
concedida por Freud ao escritor italiano Giovanni Papini, em Viena, no ano de
1934.
In: ANDRADE, M. C. Para que serve a escrita? Freud
escreve(-se). Disponível em <http://www.letras.ufmg.br/poslit/08_publicacoes_txt/ale_12/ale12_mca.pdf>.
Acesso em 20 fev. 2011.
DITO SOBRE LACAN... AS FÉRIAS DO ANALISTA
"Cheguei à Rua de Lille
em alguns minutos. A sala de espera estava vazia e fui imediatamente admitido
em seu escritório. Estava esperando por uma entrevista particular. Não foi nada
disso, e sim, como de costume, convidou-me a deitar no divã. Falei do marasmo
que tomava conta de mim. A sessão se prolongou por alguns longos minutos.
“Eu imaginava”,
concluiu Lacan antes de acrescentar estas estranhas palavras: “Voltei de férias
especialmente por você. Estava inquieto com você... com a sua análise quero
dizer”.
O que significava essa
declaração? Esse convite para retomar urgentemente as sessões? Em todo caso,
tal preocupação por minha pessoa não podia permanecer isolada. Era preciso
equilibrar seu efeito por uma contramedida desagradável.
“Como estou aqui
especialmente por você, você me pagará o dobro do preço habitual, ou seja, 400
francos. Vejo-o de novo quarta-feira que vem na mesma hora”.
Lacan parecia alegre.
Ao sair, notei a presença de outro paciente na sala de espera. Se ele voltara
das férias especialmente por mim, eu dividia então esse privilégio com alguns
outros.
Na semana seguinte,
embora admitido diretamente em seu escritório, notei que a sala de espera
começava a se repovoar. Houve uma terceira sessão desse tipo, na última semana
de agosto. Dessa vez o consultório reencontrara sua afluência habitual."
In: HADDAD, G. O dia
sábado, 25 de maio de 2013
FREUD E A CIÊNCIA... COLABORANDO COM A PSIQUIATRIA?
"A
psiquiatria é na atualidade essencialmente uma ciência descritiva e
classificatória cuja orientação ainda é no sentido do somático, de preferência
ao psicológico, e que se acha sem possibilidades de fornecer explicações aos
fenômenos que observa. A psicanálise, contudo, não se coloca em oposição a ela,
como o comportamento quase unânime dos psiquiatras poderia levar-nos a
acreditar. Pelo contrário, como uma psicologia
profunda, uma psicologia daqueles processos da vida mental que são
retirados da consciência, ela é convocada a dar à psiquiatria um fundamento
indispensável e a libertá-la de suas atuais limitações. Podemos prever que o
futuro dará origem a uma psiquiatria científica, à qual a psicanálise serviu de
introdução."
In: DOIS VERBETES DE ENCICLOPÉDIA (1923)
In: DOIS VERBETES DE ENCICLOPÉDIA (1923)
DITO SOBRE LACAN... VARIABILIDADE DO TEMPO DAS SESSÕES
"Comecemos com uma distinção: a variabilidade do tempo das
sessões é uma inovação importante instituída por Lacan no manejo do tratamento.
Teve o mérito de sacudir a ritualização, ou mesmo a mumificação então em curso
da técnica analítica. Mas uma coisa é o emprego do fim de uma sessão para
pontuar o discurso do sujeito; outra é o considerável encurtamento do tempo das
sessões, a ponto de deixar o paciente apenas o tempo de pronunciar algumas
palavras ou frases. Não é certo, é até pouco provável que essa técnica seja
mais apta do que outra para cingir o Real em questão do tratamento. É certo que
ela faz surgir, com toda a sua vivacidade, uma certa quantidade de objetos a, fulgurância do olhar, manifestação da
voz do analista, até a “merda” a que o paciente pode se sentir reduzido quando
a se vê expulso depois de alguns segundos. Por outro lado, tem-se uma
acentuação da dimensão imaginária do significante: o paciente irá então se
deter numa certa palavra proferida com a qual seu analista o deixou, ou até em
alguma palavra proferida por ele, para fazer dela uma chave de sua história, a
encarnação significante de sua verdade. Quantos analisandos de Lacan conheci
que brandiam essa fala ou essa palavra como um troféu? Fetichização do
significante, na verdade, mera resistência. Não que esse fenômeno não exista em
qualquer analise; só que a técnica das sessões curtas, ao fazer “a
transferência pega fogo”, a acentua."
In: SIMONNEY,
D. Lacan, grande homem. In:
DIDIER-WEILL, A.; SAFOUAN, M. (orgs.) Trabalhando com Lacan: na análise, na supervisão, nos seminários.
Rio de Janeiro, Zahar, 2009. p. 99-111.
quarta-feira, 22 de maio de 2013
FREUD E A CIÊNCIA... RELAÇÃO COM A PSIQUIATRIA
"Pois
não consideramos absolutamente conveniente para a psicanálise ser devorada pela
medicina e encontrar seu último lugar de repouso num livro de texto de
psiquiatria sob a epígrafe ‘Métodos de tratamento’, juntamente com
procedimentos tais como sugestão hipnótica, auto-sugestão e persuasão, que
nascidas de nossa ignorância, têm de agradecer a indolência e a covardia da
humanidade por seus efeitos efêmeros. "
In: A QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA (1926)
In: A QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA (1926)
EVENTO DIALOGOS DO LACANEANDO
Mais um evento realizado pela batalhadora Patrizia Corsetto...
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terça-feira, 21 de maio de 2013
RESENHA DE O LIVRO NEGRO DA PSICANÁLISE
Publicada originalmente na Revista Stylus, n. 24, Junho de 2013.
Resenha
de “O livro negro da Psicanálise”
Organização de
Catherine Meyer; com Mikkel Borch-Jacobson... [et al.]; tradução de Simone
Perelson e Beatriz Medina. O livro negro
da Psicanálise: viver e pensar melhor sem Freud. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2012, 638 p.
Criticar a Psicanálise não é tarefa fácil, especialmente quando se trata
de críticas construtivas, que genuinamente visam colaborar para o aprimoramento
do que está sendo objeto de um debate honesto. Porém, quando está em jogo certo
tipo de crítica que se origina de outras intenções, mais questionáveis e que
tem como objetivo central demolir a invenção freudiana, certamente merece um
olhar menos ingênuo e mais atento. É com esse olhar que se deve ler O livro negro da Psicanálise: viver e pensar
melhor sem Freud, panfleto pensado e estruturado por Catherine Meyer, com o
apoio de alguns outros autores, já conhecidos na esfera do revisionismo e da
crítica afetada a tudo que se refere à Psicanálise.
Sendo assim, o leitor mais desavisado não deve se surpreender com o tom
que se descortina nas mais de 600 páginas da edição brasileira, ainda menos
extensa que a edição francesa, de mais de 800 páginas, originalmente lançada em
2005, com grande repercussão na mídia como, aliás, é peculiar a qualquer outro
tipo de ataque a Freud e sua obra. Até então, não temos nenhuma novidade, talvez
apenas mais um capítulo do que nos Estados Unidos usualmente se chama de Freud Bashing, ou “bater em Freud”, termo
que condensa as múltiplas formas de espancamento midiático que sempre tem como última
mirada desqualificar o inventor da Psicanálise e, principalmente, cobrir de desconfiança
e descrédito tudo que envolve o campo psicanalítico.
Seriam necessárias muitas páginas nesta resenha para descrever a sucessão
de artigos que, com raras exceções, merecem ser acolhidos com deferência neste livro;
pois o que se delineia, na maioria deles, especialmente em termos de enunciado
recorrente, nada mais é do que uma intensa saraivada de investidas, ataques,
desaprovações e censuras a tudo que diga respeito ao universo psicanalítico,
temperadas com uma implacável dose de criticismo impiedoso e exarcebado, beirando
a obscenidade.
A estrutura central desse petardo gira em torno de um claro intuito
latente, que surge nas entrelinhas e que pode ser captado pela linearidade dos
capítulos, títulos e seções específicas: num primeiro momento desqualificar a Psicanálise,
tirando-a de seu suposto domínio hegemônico de compreensão e tratamento dos
males da subjetividade humana e, posteriormente, efetuar uma troca pelas
terapias comportamentais cognitivas e medicações variadas, tão típicas dessa
época de certezas e respostas rápidas.
Elegendo alguns recortes específicos, podemos notar que o livro se inicia
com uma notável indignação: por que a Psicanálise continua viva e forte em
algumas partes do mundo e, em outras, parece quase sumir, revestindo-se de
notável diminuição de importância? Alguns números são apresentados, ainda que
carentes de confirmações estatísticas e de fontes confiáveis, como espera a
pesquisa científica séria. Um exemplo banal: um dos autores, no afã de demonstrar
que a Psicanálise e os psicanalistas estão sumindo no mundo, afirma não existir
mais de três mil psicanalistas em todo o planeta. Bem, basta debruçar sobre qualquer
entrevista com psicanalistas que representam instituições psicanalíticas e notar
que quando as descrevem, nos fazem notar que quase sempre dizem do número de
associados, e comumente estes números ultrapassam centenas em cada uma delas,
contabilizando todos que nelas gravitam. Uma conta rápida de multiplicação demonstrará
que esse número é nitidamente subdimensionado, pois existem incontáveis
instituições psicanalíticas mundo afora. Basta apenas conversar com colegas que
participam de encontros mundiais de escolas de Psicanálise, e podemos notar que,
ano após ano, milhares afluem a cada um desses congressos, e caso seja
necessário, é sempre possível também efetuar visitas aos sites oficiais das respectivas instituições, que trazem a lista de afiliados,
que parece sempre aumentar, ano após ano. Marque-se ainda ser plausível incluir
também os psicanalistas que atuam de forma mais independente e que, portanto,
não se filiam às escolas de Psicanálise e associações de psicanalistas mundo
afora, talvez num número inapreensível.
Os casos paradigmáticos de Freud, desde o começo, ainda nos estudos sobre
a histeria, junto a Breuer, como por exemplo, Anna O. e Katharina, passando
pelo Homem dos Lobos, Schereber e outros, são cuidadosamente esmiuçados, mas de
uma perspectiva nitidamente viesada, que objetiva apenas colher elementos para
comprovar a desonestidade científica e intelectual de Freud, suas manipulações
cínicas dos resultados, a consequente a-cientificidade de seu método, a pouca
eficácia terapêutica do tratamento psicanalítico, além das táticas por ele engendradas
e depois aperfeiçoadas pelos seguidores com o fito de blindar a Psicanálise das
críticas e da suposta fragilidade de sua organicidade conceitual e clínica,
visto que é tão somente fruto do delírio de seu criador.
Esse pressuposto básico não serve apenas como pano de fundo da obra;
serve também como suporte para as estratégias de confronto endereçadas à
Psicanálise e a seus grandes nomes. Começando com o próprio Sigmund Freud,
passando por Jacques Lacan, Bruno Bettelheim, Françoise Dolto e outros, integrantes
de um grande conjunto de mistificadores e responsáveis por inúmeros erros,
distorções propositadas, generalizações apressadas e, principalmente, de
influências nefastas no imaginário popular, que na concepção de alguns autores
do livro, seria presa fácil desses grandes comunicadores, portadores das
“verdades” que adivinham do que o livro qualifica como mitos psicanalíticos. O clima bélico que atravessa cada um dos
capítulos é permanente, não há boa vontade ou mesmo compreensão razoável que
pudesse levar em consideração a época, o período histórico ou o momento
particular de cada um desses grandes nomes, inclusive a condição de seres
humanos, passíveis de enganos e equívocos como quaisquer outros, humanos,
demasiadamente humanos. Não, a nítida má vontade que salta aos olhos a cada
parágrafo é a tônica vigente, com condenações que se sucedem, quer seja
apontando a vilania de Freud em analisar incestuosamente a própria filha ou
tiranizar sexualmente a cunhada que dele dependia economicamente, a cegueira
egocêntrica de Lacan em se pretender o portador exclusivista da “verdadeira” Psicanálise
após Freud com sua legião de seguidores fascinados e alienados à sua palavra e
imagem pirotécnica, a dissimulada falta de caráter de Bettelheim, impostor que
mistificava curas e culpabilizava irresponsavelmente as mães dos autistas que
atendia em sua clínica ou ainda a postura arrogante de Dolto, responsável pela
“psicanalização” da França, em especial na educação e nas relações familiares,
que supostamente passariam a depender de um manual de sobrevivência freudiano
ou mesmo em tratamentos com psicanalistas que tomavam avidamente a rede francesa
de serviços públicos, monopolizando a oferta terapêutica e criando uma rede
circular de oferta e demanda, inescapável para os que lá chegavam em busca de
ajuda específica.
Por mais incrível que pareça, alguns capítulos se destacam pelo despropósito,
beirando o non-sense. Num deles, é
tratado o que foi chamado de “desconversão” de um jovem psiquiatra,
influenciado pela Psicanálise desde o começo de sua formação acadêmica, mas
que, ao tomar contato com um dos autores, é convidado a passar pela tal terapia
de orientação cognitiva-comportamental, que pôs em xeque suas crenças sobre o
inconsciente e outras terminologias psicanalíticas que o impediam de ajudar
efetivamente seus pacientes. No final desse “tratamento”, há o coroamento do
processo, para satisfação do autor, com a matrícula do jovem psiquiatra em um
curso breve de TCC, que servirá como referencial teórico a partir de então,
salvando-o da influência nefasta da Psicanálise.
Outro capítulo traz em seu bojo algumas narrativas de pacientes que
conseguiram escapar das garras dos psicanalistas, especialmente as mães de
crianças autistas, ou ainda pacientes que só puderam compreender os malefícios
dos quais foram vítimas após o encontro com terapeutas comportamentais e, que
graças a essa técnica, alcançaram a compreensão da amplitude do perigo que
corriam. Sim, essa é uma das tentativas que ultrapassam o desqualificar
sistemático da Psicanálise, pois tem como intuito também apontar o perigo e os
graves riscos de se entregar a uma experiência psicanalítica, empreitada que
causa dependência, alienação, desfaz casamentos, envenena a vida familiar e,
sobretudo, enriquece os bolsos dos analistas gananciosos, que aprenderam desde a
origem, com o mestre fundador, em Viena, que adorava o dinheiro.
Após esse cenário de terra arrasada, chega então a parte que acaba
revelando a verdade que subjazia a sucessão de ataques da artilharia pesada dos
detratores da obra freudiana: o posicionamento de algo no lugar do que foi destruído, a saber, as descobertas da
neurociência, os pretensos avanços das terapias comportamentais e cognitivo-comportamentais,
além de um evidente destaque para os medicamentos que a psicofarmacologia,
mancomunada com os interesses da indústria farmacêutica, oferta diuturnamente
como solução mágica para a dureza da vida cotidiana, do mal-estar presente na
divisão subjetiva do humano e do laço com o outro. Obviamente nada disso é
levado em consideração, mas apenas e tão somente os aspectos funcionais do
comportamento humano, bem como supostas desordens e transtornos de origem
orgânica ou afins, numa questionável leitura empobrecida da condição humana.
Considerar meramente este livro como um absurdo pareceria ser razoável, mas
com isso estaríamos incorrendo num erro, aceitar um pseudodebate que só
interessa a um lado, pois o que está em questão não é a supremacia de uma
abordagem terapêutica ou outra, nem mesmo uma hierarquização dos efeitos e
resultados desse ou daquele tratamento psicoterapêutico, mas sim uma intenção
mais ardilosa e que precisa ser explicitada em profundidade. A principal razão
do lançamento deste livro no território francês foi um movimento engendrado
pelos psicoterapeutas de orientação comportamental na França, pois se sentiam
alijados dos serviços públicos de saúde, bem como na mídia, quando comparados
aos psicanalistas, que segundo eles, detêm o controle hegemônico nesse campo da
saúde pública e nos consultórios particulares. Tal movimento visou excluir o
tratamento psicanalítico, inicialmente no campo do autismo, depois ampliando
esse argumento para outras demandas terapêuticas, não apenas no serviço
público, bem como na relação com os convênios e planos de saúde, com uma clara
conexão entre essa estratégia mercadológica e o lançamento do livro. Aliás, o
termo “livro negro” remete aos crimes perpetrados contra grupos, classes ou
raças durante a história da Humanidade.
Coincidentemente, este livro é lançado no Brasil em 2012, e para assombro
de muitos, tem início, ao menos no Estado de São Paulo, um movimento análogo ao
francês, que tem como meta estipular como exclusividade a orientação
comportamental-cognitiva no tratamento a autistas, em oposição ao tratamento
psicanalítico, tido como pseudocientífico, considerado ineficaz terapeuticamente
e pouco produtivo em termos de quantidade de atendimentos, especialmente quando
comparado à díade adestramento-medicação, símbolo da avalanche adaptacionista
que deu mostras de quão virulentos podem ser os ataques. Freud, na clássica entrevista
que deu à BBC, pouco antes de morrer, deixou claro que a batalha ainda não
havia terminado. Suas palavras mais uma vez demonstram impressionante
capacidade de antevisão. Que este livro negro chacoalhe os psicanalistas e que
as respostas venham vigorosamente, pois em vez de destruir a Psicanálise, como
adorariam os autores, provavelmente estão tornando-a mais forte. Um efeito
rebote admirável...
DITO SOBRE LACAN... SABER COMO DEGRADAR UMA MULHER
"Anos mais tarde, quando minha
analise estava em fase final, cheguei para minha sessão diária e Gloria,
inconformada, me disse que o Dr., Lacan não poderia receber-me nesse dia.
Estava de cama – o que era excepcional – devido a uma forte gripe.
Volto no dia seguinte e digo a
ele:
- Vim ontem, mas o senhor não
pode me receber. Estava de cama (au lit).
- Como não?! É claro que naquela
hora eu podia recebê-la!
Não acrescentarei nada sobre a
dose de dubiedade dessa resposta e dos efeitos de vacilação que provocou em
mim. Deparava-me com uma hiância (héance)
igual à que se abrira no inicio de minha análise, mas com uma diferença: agora
eu podia perceber que meu analista, aqui homem na cama, manifestava-se também
como a-camado, o que, de fato, não o impedia de me receber.
Mas isso me mostrava ainda que,
como mulher, eu podia suportar uma certa forma de degradação. Evidentemente,
não vou desenvolver esse tema aqui. Digamos que aquilo me levou à revelação –
revelação no sentido de uma descoberta brutal – de que a face oculta de minha
demanda de neurótica era o meu fantasma. Em outros termos, o que constituíra
minha demanda de analise era a própria fossa do meu fantasma. E acrescentando
apenas que ter visto isso – a saber, o fato de Jacques Lacan me haver dirigido
até esse ponto – foi também a alavanca, o impulso essencial que me confirmou na
decisão de me tornar analista."
In: MAJOUB, L. O encontro do Outro na série de analistas. In:
GIROUD, F. et al. (orgs.) Lacan,
você conhece? São Paulo: Cultura, 1993. p. 30-35DITO SOBRE LACAN... AO FINAL DA ANÁLISE TEMOS UM ANALISTA
"Na véspera, para
ajudar uma amiga a sair de uma situação de angústia traduzida num sonho, eu
havia sentido uma vontade irresistível de revelar-lhe seu sentido.
-Está perfeitamente
qualificado para tanto – disse-me vivamente Lacan.
Eu não sabia muito
bem do que ele estava falando.
Algumas semanas
depois reiterou:
-Nunca pensou em se
tornar analista?
Olhei-o abismado.
Eu, analista?
-Está falando sério?"
In:
REY, P. Uma
temporada com Lacan. Tradução de Sieni Maria Campos. Rio de Janeiro: Rocco,
1990. P. 173
segunda-feira, 20 de maio de 2013
DITO SOBRE LACAN... PATRÃO DE GLÓRIA...
"Lacan costumava maquilar seus
atos dando-lhes um ar de farsa, fingindo sobretudo interesse pelo dinheiro.
Essa maquilagem não resiste à prova. Que necessidade tinha ele, na sua idade,
depois de ter juntado uma bela fortuna, daqueles poucos honorários colhidos no
verão de agosto. Na verdade, se Lacan gostava muito de dinheiro, não havia nele
nenhuma rapinagem, e ele podia ser de uma generosidade espantosa. Sua
secretária Glória me contará, depois de sua morte, a seguinte história. Um dia
ela lhe pediu autorização para ausentar-se de tarde. Ele perguntou o motivo.
Buscar um apartamento, disse ela, pois o proprietário do seu apartamento lhe
pedira para deixá-lo. Horas mais tarde, Lacan informou-a de que Sylvia, sua
esposa, havia encontrado um apartamento para ela.
'Mas eu nunca vou poder pagar o
aluguel desse bairro!
- Quem está falando de aluguel?
Se ele lhe convier, dou-lhe de presente'”.
quarta-feira, 15 de maio de 2013
ATIVIDADE OFICIAL DO FORUM DO CAMPO LACANIANO II SEMINARIO DA EPFCL-BRASIL NO ABC
Divulgo aqui uma atividade oficial do Fórum do Campo
Lacaniano - SP que será realizada em Santo André, no Grande ABC. Trata-se do II
Seminário da Escola de Psicanálise dos Foruns do Campo Lacaniano, dando
prosseguimento ao I Seminário que aqui ocorreu no ano passado, com significativa
presença dos interessados em Psicanálise que atuam na região. As informações
mais detalhadas seguem abaixo, após a relação de datas e convidados.
II Seminário da EPFCL-Brasil / FCL-SP no
ABC
Saber e interpretação na clinica
psicanalítica
DATAS E CONVIDADOS:
24/Maio – Ana Paula Gianesi (SP)
28/Junho - Sandra Berta (SP)
09/Agosto – Helena Bicalho (SP)
13/Setembro – Silvana Pessoa (SP)
04/Outubro – Helena Ramirez (SP)
08/ Novembro – Delma Gonçalves (BH)
HORÁRIO: Início às 20h30 e término previsto para 22h30
(sempre às sextas feiras)
LOCAL: Rua Dona Elisa Flaquer, 70 – Centro,
Santo André – SP (link no googlemaps: http://maps.google.com.br/maps?hl=pt-BR&tab=wl
)
INVESTIMENTO: Uma parcela única de R$ 180,00 (podendo
ser paga à vista, via depósito bancário, em nome de: Associação Foruns do Campo
Lacaniano -Banco Itaú- Agência 0185 – C/C 99475-3, ou parcelada em três cheques)
Após o depósito, ou ainda em caso de parcelamento, contatar por e-mail ou telefone
para confirmar formalmente a inscrição:
- Kizzy
Leandrini Torrano (kizzy@leandrini.com)
no 99948-2947
- João
Ezequiel Grecco (jegrecco@hotmail.com)
no 99192-9086
- Brendali Dias (brendalidias@hotmail.com) no 4436-6326
RESENHA DE QUARTIER LACAN: TESTEMUNHOS
Publicado originalmente na revista Stylus, n. 24, de Junho de 2012
Resenha de "Quartier Lacan: testemunhos”
Resenha de "Quartier Lacan: testemunhos”
De: DIDIER- WEIL,
Alain, GRAVAS, Florence e WEISS, Emil, Tradução de Procópio Abreu; revisão
Sandra Regina Felgueiras. Quartier Lacan: testemunhos. Rio de
Janeiro, Cia de Freud, 2007, 258 p.
Quartier Lacan é muito mais do
que uma compilação de entrevistas, a maioria filmada originalmente para um
documentário sobre a vida e obra de Jacques Lacan. Na verdade trata-se de um
documento precioso, pois revela, entre outras coisas, inúmeros aspectos do
cotidiano, do estilo e da paixão de Lacan pela prática clínica.
Os treze entrevistados, cada qual em certo período, estiveram em análise
com Lacan, quase todos o acompanhando pelas experiências institucionais,
cisões, rupturas e atos contundentes que a história da psicanálise já
demonstrou fartamente, especialmente na França. Mas, o que mais importa, é que
as narrativas surgidas após as interessantes perguntas efetuadas pelos autores,
desvelam um personagem bastante coerente entre o que fazia, teorizava e vivia. De
acordo com o testemunho de Charles Melman, “Lacan é apresentado na literatura
ou na imprensa como um individuo escandaloso, imoral: digo que é absolutamente
verdadeiro. Ele é imoral porque a nossa moralidade, como todos sabem, é suja, e
não só suja. Nossa moralidade nunca fez outra coisa senão cultivar a perversão.
Não é a psicanálise quem diz isso, isso começa com São Paulo, é uma banalidade.
Hoje, é preciso ser um pouco reservado, um pouco prudente, quando se diz de
alguém: aquele ali não tem moral. Só os perversos estão ligados à moralidade,
querem estabelecer ordem, em qualquer meio que seja, inclusive no meio
psicanalítico. Lacan era escandaloso porque questionava, por sua conduta e por
seu estilo, referências que nos são muito caras.” (p. 106)
Esse potencial subversivo presente nos questionamentos, facilmente
identificável desde sua marcante proposta de um retorno à Freud, ajudou-o a
balançar as estruturas de uma instituição que encerrava a virulência da
descoberta freudiana em procedimentos padrões, muito próximo de uma medicina
questionável e que hoje vemos avançar a passos largos. Nesse cenário Lacan,
inovou, transgrediu e inventou, não apenas no manejo do tempo e do dinheiro,
mas também no campo da interpretação e da transferência como, aliás, podemos
notar nas palavras de outro entrevistado, Jean Clavreul, quando deixava claro
que, na condição de analista, “Lacan não pensava em meu ser cheio de
dificuldades ou cheio de esperança, ele só se interessava pelo que eu dizia.
Logo, comecei com ele. Tive então de ser hospitalizado. E ele veio me ver no
hospital, umas vinte vezes talvez, para que fizéssemos as sessões. Devo dizer
que, na época, isso não me havia impressionado, porque eu não tinha modelo para
me dizer como um analista devia fazer ou não. Evidentemente, não era comum, mas
Lacan era assim. Há um monte de coisas dessa ordem que ele fez existir ao longo
de sua vida e que são muito diferentes da imagem que em geral passam dele.” (p.
29)
Imagem que, como seria de se esperar, tem sido idealizada e distorcida,
como em qualquer fenômeno de massa, transformada em parâmetro duvidoso do que
seria um “analista lacaniano”, com caricatas imitações desse inventivo
psicanalista, longe do estilo único que ele julgava essencial, clamando por
repetidas vezes. Moustapha Safouan, em sua entrevista, deixa claro que, “quando
você está num seminário de Lacan, você toma notas. Mas, depois, você volta para
casa, e não vai começar a estudar essas notas, porque você é analista e tem de
atender pessoas por cuja cura você assumiu a responsabilidade. É quando você
vai refletir sobre o que você faz que as ideias que você ouviu no seminário
poderão voltar ao seu espírito e esclarecê-lo sobre o seu próprio caminho. Se
você se esforçar em escrever, produzirá um texto em que há ideias de Lacan, mas
que, em seu conjunto, será da sua safra. Mediante o que, Lacan estava na
posição de dizer que lhe tomavam as ideias, que as deformavam, ou então que o
tinham entendido mal.” (p. 86)
Esforçar-se para aprender com Lacan, sem ser subserviente, repetidor ou
mesmo imitador, não é tarefa fácil, até mesmo porque as inovações que Lacan
estabeleceu surtem efeitos no tratamento psicanalítico, ainda que pontuais ou
fugazes, pois depende justamente de quem os maneja. Nesse sentido, cabe
perguntar: como ser lacaniano sem ser
Lacan? Talvez essa seja uma pergunta chave para o desenvolvimento da teoria
e práxis de orientação lacaniana.
Ainda que essa pergunta específica não tenha sido formulada, mesmo assim
é possível notar o impacto do encontro com Lacan na vida e no percurso de
formação dos entrevistados. Fica claro que Lacan formava psicanalistas,
estruturou as noções de passe, do cartel e de alguns parâmetros do laço entre
analistas dentro dos limites de uma escola de psicanálise, mas fica evidente
que, para além disso, fez avançar a psicanálise, contribuindo com uma parcela
significativa para a sobrevivência da invenção freudiana no mundo. Interessante
notar como esse elemento também se faz presente nos testemunhos, de como a
transferência de trabalho entusiasmou e solidificou gerações de novos
psicanalistas.
Com isso, o leitor pode se interrogar sobre sua parcela de contribuição no cenário analítico que o rodeia,
sobre o que tem feito no sentido de, como Lacan, sustentar seu desejo de
analista e causar, naqueles que compreendem essa aposta, um avanço decidido
rumo a um saber que não se sabe de antemão.
CARTAS DE FREUD... SOBRE O CARÁTER E OS LAÇOS
CARTA ENDEREÇADA A FERENCZI EM 30/05/1912
“Você conhece Biswanger, um homem extremamente honesto, sério e sincero, que é pouco talentoso, sabe disso e é muito humilde. Leu para mim um pedaço de um trabalho, no qual a Psicanálise é comparada com a psiquiatria clínica e que parte de pontos de vista corretos. Falamos também de Jung, e ele contou que, embora próximo a ele enquanto aluno, não espera nunca algo de sua afeição pessoal. Ele não é nenhum guia, atrai fortemente os homens e depois os rejeita com sua frieza e sua falta de consideração. Mas ele também poderia ser substituído. (...) Foi –me também solicitado que envie pacientes a Zurique. Eu realmente precisaria exercer uma influência tripla no mundo para suprir as necessidades de todos. (...) Antes de Pentecostes, houve ainda uma horrível cena entre Tausk, que é uma fera terrível, e Stekel, cena que teve toda sorte de efeitos como conseqüências. Nos últimos tempos, Stekel negligenciou suas visitas, evidentemente não está se sentindo a vontade, a mim parece que não estão excluídas surpresas, já que ele ainda está ligado a Adler. É assim que o bom e o mau se misturam.”
“Você conhece Biswanger, um homem extremamente honesto, sério e sincero, que é pouco talentoso, sabe disso e é muito humilde. Leu para mim um pedaço de um trabalho, no qual a Psicanálise é comparada com a psiquiatria clínica e que parte de pontos de vista corretos. Falamos também de Jung, e ele contou que, embora próximo a ele enquanto aluno, não espera nunca algo de sua afeição pessoal. Ele não é nenhum guia, atrai fortemente os homens e depois os rejeita com sua frieza e sua falta de consideração. Mas ele também poderia ser substituído. (...) Foi –me também solicitado que envie pacientes a Zurique. Eu realmente precisaria exercer uma influência tripla no mundo para suprir as necessidades de todos. (...) Antes de Pentecostes, houve ainda uma horrível cena entre Tausk, que é uma fera terrível, e Stekel, cena que teve toda sorte de efeitos como conseqüências. Nos últimos tempos, Stekel negligenciou suas visitas, evidentemente não está se sentindo a vontade, a mim parece que não estão excluídas surpresas, já que ele ainda está ligado a Adler. É assim que o bom e o mau se misturam.”
terça-feira, 14 de maio de 2013
DITO SOBRE LACAN... PAGAMENTO DE FALTAS NAS SESSÕES
“Começo de março de 1980.
- Quanto lhe devo? – disse-lhe
eu. – Porque, afinal, o senhor me deixou na mão durante um mês.
Resposta:
- O senhor mesmo pode calcular.
Estimei que, no fundo, a ausência
era responsabilidade sobretudo minha, gastava eu ter telefonado mais cedo.
Calculei: um mês = tantas sessões + tantas supervisões = 5 mil francos.
- Não tenho essa quantia comigo,
posso lhe deixar um cheque caução, amanhã trago o dinheiro?
- Isso mesmo.
Preenchi o cheque e lhe
perguntei:
- Ponho em nome de quem?
Berros de Lacan:
- Glória, Glória! Ela irrompe
imediatamente.
- Ensine Patrick a fazer um
cheque.
Ele, batendo os pés sem sair do
lugar, eu, voltando-me para ela:
- Em nome de quem?
Sem hesitar, ela disse:
- Em nome do Outro, com o O
maiúsculo – e arrancou o cheque de mim nas barbas de Lacan.”
In.:
VALAS, P. Passes: o sabre e o
pincel. In: DIDIER-WEILL, A.;
SAFOUAN, M. (orgs.) Trabalhando
com Lacan: na análise, na supervisão, nos seminários.
Rio de Janeiro, Zahar, 2009. p. 122-133.
domingo, 12 de maio de 2013
DITO SOBRE LACAN... NO TELEFONE
"- Gostaria de marcar
uma hora com o doutor Lacan.
- No momento não
posso incomodá-lo – disse-me a mulher; era Glória. – O senhor pode telefonar às
seis?
Acomodei-me diante
da montanha de caixas e esperei.
Seis horas. Glória
de novo.
- Aguarde um minuto.
- Escute, ele pode
me receber ou não?
- Não desligue, o
doutor Lacan quer falar com o senhor...
Falar comigo? Eu só
queria que ele me recebesse. Será que os massagistas, dentistas ou alfaiates
exigem uma entrevista prévia antes mesmo de marcar hora?
Aí, de repente, a
voz monocórdica, arrastada, que desdobrava o som de cada fonema...
- Sim?
- Eu gostaria de
vê-lo.
Enfrentei um longo
silêncio.
- Por quê? - perguntou
Lacan.
A única idéia que me
ocorreu foi que eu estava com as mãos úmidas. Durante pelo menos um minuto, não
me saiu som algum da garganta.
Finalmente, me ouvi
dizer:
- Não ando nada bem."
In.: REY, P. Uma
temporada com Lacan. Tradução de Sieni Maria Campos. Rio de Janeiro: Rocco,
1990. 173 p.
CARTAS DE FREUD... EXPLORADO PELOS AMERICANOS
CARTA DE FREUD ENDEREÇADA A FERENCZI EM 22/10/1909
“Escrevo-lhe apressadamente, porque de outra forma não seria possível. A exploração é à americana. Quase não tenho tempo para viver, muito menos para trabalhar. Ainda por cima, Stanley Hall, em uma carta realmente amável, lembrou-me de minha promessa relativa às Cinco Lições. Por ora, terminei realmente apenas metade de uma página. Há muito menos pacientes chegando do que pacientes regulares, o que faz com que dificilmente eu possa redistribuí-los. Os pacientes são nojentos, proporcionando-me a oportunidade de realizar novos estudos técnicos(...) Uma pequena descoberta dos últimos dias alegrou-me mais do que poderiam os doze artigos do Dr. Aschaffenburg. Um filólogo, chamado Abel, publicou no ano de 1884 um escrito denominado “Os sentidos opostos das palavras primitivas”, que afirma nada mais nada menos que, em muitas línguas – no egípcio antigo, no sânscrito, no árabe, e mesmo no latim – oposições são expressas com a mesma palavra. O Sr. facilmente adivinhará que aspectos de nossas observações sobre o Ics são dessa forma confirmados. Há muito tempo não me sentia tão triunfante. Estou me ocupando também do Leonardo da Vinci.”
“Escrevo-lhe apressadamente, porque de outra forma não seria possível. A exploração é à americana. Quase não tenho tempo para viver, muito menos para trabalhar. Ainda por cima, Stanley Hall, em uma carta realmente amável, lembrou-me de minha promessa relativa às Cinco Lições. Por ora, terminei realmente apenas metade de uma página. Há muito menos pacientes chegando do que pacientes regulares, o que faz com que dificilmente eu possa redistribuí-los. Os pacientes são nojentos, proporcionando-me a oportunidade de realizar novos estudos técnicos(...) Uma pequena descoberta dos últimos dias alegrou-me mais do que poderiam os doze artigos do Dr. Aschaffenburg. Um filólogo, chamado Abel, publicou no ano de 1884 um escrito denominado “Os sentidos opostos das palavras primitivas”, que afirma nada mais nada menos que, em muitas línguas – no egípcio antigo, no sânscrito, no árabe, e mesmo no latim – oposições são expressas com a mesma palavra. O Sr. facilmente adivinhará que aspectos de nossas observações sobre o Ics são dessa forma confirmados. Há muito tempo não me sentia tão triunfante. Estou me ocupando também do Leonardo da Vinci.”
sexta-feira, 10 de maio de 2013
CARTAS DE FREUD... CONVERSA COM JUNG
CARTA ENDEREÇADA A FERENCZI EM 26/12/1912
“E agora, sobre Jung. Depois da reunião, às
11h, fizemos o passeio combinado, que tinha como objetivo uma conversa. Eu
perguntei diretamente o que ele tinha e o que significava sua insistência no
‘gesto de Kreuzlingen’. Então, ele veio com a reclamação que eu teria me
dirigido a seus inimigos, Biswanger e Häberlin, e impedido que ele me
encontrasse, pelo fato de comunicar a ele minha visita somente quando ele já
havia retornado. ‘O que o Sr. diria se
eu lhe escrevesse depois dizendo que havia estado na Wiene Neustadt?’.
Eu reconheci que isso não seria honesto de sua parte, mas que não era meu caso,
pois eu havia escrito sobre a viagem na quinta à noite, antes de Pentecostes, a
ele e a Biswanger, ou seja, naquele momento, ele também já deveria saber e poderia
ter vindo, se quisesse. Não, respondeu ele: ele teria recebido meu cartão
somente na segunda de manhã, quando já era tarde demais (já que parti na
segunda ao meio-dia). Eu permaneci firme, e então aconteceu algo totalmente
inacreditável e inesperado. Subitamente, ele disse a meia-voz: ‘No sábado e no
domingo estive ausente, velejando, e só voltei na segunda de manhã’. E aí, eu
tinha a faca e o queijo nas mãos, sabendo aproveitar bem a situação.
Perguntei-lhe se não havia tido a idéia de observar o carimbo do correio no
cartão, ou então perguntar à sua mulher, antes de me acusar detê-lo informado
propositalmente tarde demais. Quais repreensões faria a um paciente que não
fundamentasse de outra forma a sua suspeita? Ele estava absolutamente derrotado
e envergonhado, e admitiu tudo: que há muito tempo temia que a intimidade
comigo ou outros prejudicasse sua independência e que por isso decidira
recolher-se; que de fato, ele me construíra a partir do complexo paterno e tinha medo do que eu poderia dizer
de suas modificações, de seu particular modo de expressar-se; que ele
certamente não tinha motivos para estar desconfiado, que o ofendia ser visto
como um louco complexado, etc. Eu não o poupei de nada, disse-lhe calmamente
que uma amizade com ele não poderia ser mantida, que ele mesmo havia evocado
uma intimidade com a qual ele viria a romper tão brutalmente depois; que ele
não estava bem com o Homem, com o masculino em geral, não apenas comigo, mas
também com os outros; que ele repelia a todos depois de um certo tempo. Todos
os que estavam comigo provieram dele, por ele tê-los expulso; que o fato de se
referir à triste experiência com Honegger lembrava-me os homossexuais ou
anti-semitas, cujas tendências se manifestam depois de uma experiência com uma
mulher ou com um judeu. Que ele se comportava como um bêbado que grita
incessantemente: não acreditem que eu esteja bêbado, apresentando
inequivocamente uma reação neurótica; que eu me havia enganado sobre ele num
ponto, quando o considerei um dirigente nato que, através de sua autoridade,
poderia poupar aos outros muitos erros, mas ele não era assim, era imaturo e
descontrolado, etc. Ele não me contradisse e admitiu tudo. Penso que isso tenha
lhe feito bem. Se ele fosse alguém que conseguisse incorporar impressões vividas,
eu acreditaria numa mudança duradoura. Mas há um núcleo de falsidade em sua
natureza que lhe permitirá diluir as impressões. A invenção do gesto de
Kreuzlingen já tem esse caráter. Uma outra prova é a seguinte: ele jurou por
tudo no mundo não ser verdade que havia falado mal de mim, já no ano do
Congresso de Salzburgo, num repentino capricho, que depois passou. ‘O que dizem
as pessoas! Se eu quisesse acreditar no que falam sobre o Sr.!’. À noite falei
então com Jones, que me assegurou ter ele mesmo ouvido o tal discurso de Jung.
Jung despediu-se às 5 horas com as palavras: ‘O Sr. me encontrará sempre
devotado à causa’. Ficamos juntos até o momento da despedida. Infelizmente não
tive um bom dia. Cansado da semana e de uma noite em claro no trem, tive, à
mesa, uma crise de angústia, semelhante àquela no Essighaus em Bremen, quis
levantar-me e desmaiei por um momento. Mas eu mesmo me levantei e por algum
tempo tive náuseas, que à noite se transformaram em uma dor de cabeça e
bocejos, um resíduo de meus males de verão. Na noite de volta à Viena, dormi
muito bem e cheguei aqui muito bem.”
RESENHA DE PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO: SOBRE HEFESTO, ÉDIPO E OUTROS DESAMPARADOS DOS DIAS DE HOJE
Publicado originalmente no site do Instituto Àgora: http://www.agorainstitutolacaniano.com.br/livros_2.html
Resenha do livro "Psicanálise e educação: sobre Hefesto, Édipo e outros desamparados dos dias de hoje." De Andrea Brunetto, Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2008, 111 p.
O campo da intersecção
entre a Psicanálise e a Educação é conhecido, especialmente no Brasil, pela
intensa produção teórica, representada pelos muitos artigos, livros,
dissertações e teses que são publicados regularmente, não apenas a partir dos psicanalistas
interessados pelo tema, mas também por educadores afetados pelo referencial
psicanalítico. Os frutos são diversos e a questão da educação em nosso país
parece ser suficiente para justificar esforços ungidos pela boa intenção, ainda
que seja necessária uma cuidadosa dose de bom senso na arquitetura dessa
intersecção, com todos os riscos que essa empreitada possa ter, visto que os
dois campos, em essência, são antagônicos e visam algo muito distinto.
Mesmo assim, esse
caminho, originalmente fundado por Anna Freud; incentivada pelo pai e também
por um importante interlocutor, Oskar Pfister, considerado o pioneiro das
pesquisas nessa interessante e profícua extensão do saber psicanalítico,
continua aberto e, ao que parece fecundo.
E podemos dizer isso, porque
essa aposta permite várias possibilidades, sempre tendo um olhar endereçado à
presença do inconsciente vetorizando os laços presentes no ato educativo, tanto
pela via informal, como quando um pai educa um filho, bem como também na
Educação mais formal, no sistema escolar oferecido pela Cultura; com suas
múltiplas vicissitudes, muitas vezes transformadas em objetos de investigação
pelas mãos de pesquisadores hábeis.
Devemos dizer também profícua
porque permite pensar em outros ângulos de algumas questões que sempre
interrogam como, por exemplo, a relação entre professor e aluno, as múltiplas
dificuldades de aprendizagem e ensinagem, o fracasso escolar e outros sintomas
sociais, a violência e a eclosão de certos fenômenos que supostamente deveria ser
alheio ao cotidiano escolar, além de um ponto aqui que nos interessa em
particular, o das crianças ditas anormais, que fogem à norma, a uma normalidade
homogeneizante e tão condizente com as pré-condições necessárias – porém
questionáveis, visto que se transformam em parâmetros ideais – para que a
escola funcione nos moldes atuais.
Essas crianças,
curiosamente, são chamadas de especiais,
e não sabemos se isso deriva de uma especialidade, se deveria ser alvo da
atenção apenas de especialistas ou se são, como parece, uma exceção, distorcida
por um termo que num primeiro olhar parece positivo, mas quando pensado à luz
da hipótese do que os psicanalistas chamam de formação reativa, acaba por
desvelar a carga de preconceito que os malabarismos semânticos não conseguem
ocultar eficazmente.
E é justamente dessas
crianças que Andréa Brunetto trata neste livro, derivado de sua dissertação de
mestrado, no Departamento de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul; não aquelas portadoras de uma deficiência física, anatomicamente confirmada
e verificada no olhar do leigo e do expert,
mas as que se enquadrariam naquilo que se convencionou chamar de deficiência
mental, seus efeitos e conseqüências nas vidas dessas crianças e dos adultos
que a cercam. Seres que, ao que parece, não detém uma mente supostamente eficiente,
que foram tão intensamente retratadas por Maud Mannonni (1985) em seu já
clássico A criança retardada e a mãe,
livro que, aliás, temia publicar, inibição que foi barrada por seu analista
Jacques Lacan, marcando a importância de sua publicação.
O tempo demonstrou que
Lacan estava correto, visto que esta obra acabou por se tornar um clássico, alicerçando
o que se pensa hoje sobre a falsa debilidade
mental. Andréia Brunetto também não se inibiu; como é muito comum em mestres e
doutores após a defesa e traz a publico este Psicanálise e Educação: sobre Hefesto, Édipo e outros desamparados dos
dias de hoje, para colaborar com a reflexão sobre este tema tão delicado e
atual, a segregação do diferente, algo que a globalização não conseguiu
extinguir; mas que, ao contrário, parece ter potencializado como vemos
cotidianamente na mídia.
O social, até como
tentativa de remediar essa situação, em contraponto a uma escola que funcionava
de modo segregacionista, lança então em nível mundial a difusão da proposta de
uma inclusão generalizada, inicialmente pensada como uma proposição que tem em
sua essência a idéia de uma escola que possa acolher a todos sem exceções,
independentemente de dificuldades prévias ou adaptativas, potenciais aquém ou
além do idealmente esperado e, especialmente, que ajude por meio dessa
iniciativa a favorecer o desenvolvimento das pessoas, o bem comum e a equidade
nas chances em uma sociedade que funciona estruturalmente, como sabemos, de
forma a manter a desigualdade.
E é nesse ponto que a
autora centra seus esforços de problematização, num exemplo honesto de
Psicanálise em extensão, daquilo que ultrapassa a clínica pensada em termos strictu sensu, do tratamento das
neuroses. Analisar, como mostra etimologicamente a palavra, é dividir em
pequenas partes e, num primeiro momento, deter-se nelas para então, num
movimento subseqüente, praticar exercícios de junções, relações, aproximações e
afastamentos, para então poder obter-se algo novo com relação ao ponto inicial.
Esse percurso metodológico é feito com a temática do deficiente, provocando o leitor
a pensar essa noção historicamente, desde os gregos, as significações dadas ao
diferente em variadas épocas, tanto num sentido de discriminação bem como
também de valorização, mostrando como ao longo da História este tema inquieta
as sociedades, passando pelos ideais mais modernos, chegando à criação da
norma, com o corpo sendo tomado de assalto pela Medicina e não mais pelas
religiões e seus dogmas.
Com isso, o corpo
também passa a ser mensurado, imaginarizado em torno de ideais estatísticos e
controlado pela ciência, que evita a todo custo a não eficiência. Com isso, o
terreno está fertilizado e pronto para fazer surgir a histeria que, como nos
mostra a história da Psicanálise, ensina Freud a criar este campo que postula
algo que trafega na mão contrária, visto que o corpo não é meramente anatômico,
vai além e, a partir do conceito de pulsão, enigmaticamente entre o somático e
o psíquico, torna-se um corpo erógeno, numa intensa relação especular com o
outro, constituído justamente nessa relação com este Outro que diz da Cultura e
que o introduz na linguagem, como bem atestam os casos de neurose. E no caso da
deficiência?
Essa é uma boa
pergunta, pois para além de algo supostamente orgânico, o que efetivamente
importa é o lugar fantasmático que essa criança ocupa no desejo da mãe e,
dinâmicamente, como se estruturam as coisas a partir desse aspecto tão sutil e
ao mesmo tempo tão crucial. Se as hipóteses de Freud a respeito da importância
de um filho para uma mulher estão corretas e, se corroboram as notas de Lacan
sobre a criança, endereçadas às psicanalistas de sua época que atuavam nesse
terreno, tais como Jeanne Aubry, Françoise Dolto e Maud Mannonni, podemos
depreender que as vicissitudes ocorrerão entre
a criança e sua mãe, um falo defeituoso que afetará diretamente o narcisismo
dessa mulher. Como amar algo que não completa, mas que, ao contrário, desvela a
castração? Atentemo-nos para as palavras da própria Andréa Brunetto (2008):
Vimos muitos exemplos de
dedicação, sacrifício e de um amor ao filho deficiente. Ainda que ambivalente,
porque este filho destoa do ideal, não podemos nos esquecer de que o amor e a
carência andam de braços dados. Amor ambivalente, que tanto na superproteção
como no abandono, evidenciam sua face do ódio. Mas essa outra face do amor, o
ódio, não é específica dos pais com filhos deficientes. Nem mesmo é específica
dos pais. É humana, demasiadamente humana. (p.60)
Portanto, num mundo que
aspira ao Belo, o perfeito funcionamento das engrenagens do laço social e a
satisfação permanente de seus participantes, esse ser grosseiramente diferente
que causa dúvidas e intriga à Ciência, pondo em xeque conceitos tão valorizados
como a inteligência e a própria noção de um devir, um vir-a-ser para o sucesso,
ou até mesmo a felicidade no sentido mais prosaico da palavra, o deficiente
assombra, uma encarnação do unheimlich
freudiano que desnuda a dificuldade de cumprir o mandamento clássico e ingênuo
de amarmos o outro como a nós mesmos. Se este outro for como nós mesmos, essa
tarefa pode até ser facilitada, mas se este outro marca por meio desta
diferença fundamental uma dimensão de nós mesmos que preferimos não ver, esse
mandamento se esvai e surge algo complicado no lugar, que nem os mais hercúleos
esforços de inclusão conseguem minimizar.
Que livros como esse
ajudem a tornar a convivência com o diferente mais tolerável, menos
discriminatória e mais... humana.
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